Sobre o Abandono

Feito as folhas secas que, ao tempo, se abrasam
a solidão inflama o vácuo incognoscível da alma,
que, do ser solitário, queima o estopim de um trauma
e apaga-se quando as lágrimas nos olhos se abraçam.

O abandono é conveniência que explora a goela
com a dialética pré-definida mas, por fraqueza,
morre na mesma boca que cospe a tristeza
na face em que a lembrança os dentes amarela.

Aquele que foge deixa-nos o fardo imenso da saudade:
a infindável dor que constringe o vazio interior.
A angústia monopoliza o frágil subconsciente.

E é quando o soluço engasga-se na infelicidade
que o pranto anestesia a chaga nativa do amor
e padece junto à vítima deste fado insolente.





- (PIMEENTA)

Febre I

Desde a gênese deste feto bizarro no cosmo infindável
tenho perpetuado como fera num covil imensurável
sob a herança genética de um acidente cromossômico.
Obstinado a evoluir a partir do verme, microorganismo
relutante em devorar toda a matéria orgânica no egoísmo,
inda anseio presenciar-me com a existência harmônico.

A terapia do escarro sobre dogmas prepara a goela
para o momento herético qual as aparições amarela.
Indômito cuspe, embrião do nojo à raça humana.
O vômito é filosofia que agrega ciência e religião,
devora-lhes em escárnio e, no estômago, causa retração.
E é da febre que a perversa insanidade se emana!

O apodrecimento dos tecidos é como a niilista peçonha
e alastra-se pela corrente sanguínea desta medonha
anatomia babilônica. A resignação do objeto torto,
inda que me custe os platônicos devaneios, será abstração.
Conquanto não haja orgulho enquanto esta sensação
de vício for tentadora o bastante para incitar-me o aborto!

É a condição parasitando a idéia que há de decompor
que me horroriza. E a latência dispersa o calor.
Lazarento, evito o cruel reflexo de espelho!
E as incógnitas do cristianismo provam-se vãs
ao ponto de arrancar da velha sabedoria as cãs.
A placenta da crença apenas funciona como joelho,

articulando as pernas da devoção às forças que encaminham
os cegos ao fértil solo onde meus deuses definham.
Esta displicente natureza tende à perecer na narcose!
O espaço físico constringe, asfixia. E, enfim, reduz
Golias à um pária rastejante exalando pus.
Pêndulo, enfatizo inconscientemente a neurose...




-(PIMEENTA)